Texto excelente do Gabo!
Por Gabriel García Márquez

Uma vez, sendo repórter de um jornal de Bogotá, numa época irreal em que todo mundo tinha 20 anos, me mandaram, com o fotógrafo Guillermo Sánchez, perseguir uma má notícia em um daqueles Catalinas anfíbios que tinham sobrado da guerra. Voávamos sobre a selva de Urabá sentados em cima de sacos de vassoura, porque assentos não havia naquele sepulcro voador, nem uma aeromoça de consolação a quem pedir o número do telefone no paraíso, e logo o avião se meteu por onde não era e se extraviou em um aguaceiro bíblico. Não só chovia fora, como também dentro. Agarrando-se a duras penas, o co-piloto nos levou um jornal para que cobríssemos a cabeça e vimos, com assombro, que mal podia falar e que suas mãos tremiam.
Esse dia aprendi algo muito alentador: os pilotos também sentem medo, só que neles, como nos toureiros, não se nota tanto no tremor das mãos quanto nas superstições. Um amigo espanhol –tão temeroso de avião que nunca viajava sentado– descobriu isso numa noite ruim de inverno em que o convidaram a presenciar a decolagem na cabine de comando. Era em Nova York, durante uma tempestade de neve, e a tripulação permaneceu muito serena na cabeça da pista, até que deram a ordem de decolar. Então, como se fosse um requisito técnico imprescindível, todos fizeram o sinal da cruz ao mesmo tempo. Meu amigo, compreendendo que, no fundo da alma, também os pilotos têm medo, perdeu para sempre o medo de avião.
Eu tive uma prova ainda mais sutil voando entre as estrelas sobre o oceano Atlêntico. Falando de tudo, perguntei ao comandante por outro piloto amigo que havia sido meu companheiro de escola. Eu ignorava, claro, que ele havia se espatifado no aeroporto de Tenerife quando tentava aterrissar no meio de uma borrasca. O comandante me contou de outra maneira, mais reveladora:
–Se retirou da companhia faz três anos, nas ilhas Canárias.
No entanto, o bom medo de avião não tem nada a ver com as catástrofes aéreas. Picasso disse muito bem: “Não tenho medo da morte, e sim do avião”. Digo mais: muitos medrosos perderam o medo de avião depois que sobreviveram a um desastre. Eu o contraí como uma infecção incurável voando à meia-noite de Miami a Nova York, em um dos primeiro aviões a jato. O tempo era perfeito e o avião parecia imóvel no céu, levando a seu lado essa estrela solitária que acompanha sempre os bons aviões, e eu a contemplava pela janela com a mesma ternura com que Saint-Exupéry via as fogueiras do deserto do seu avião de alumínio. Então, na lucidez da vigília, tive a consciência da impossibilidade física de um avião se sustentar no ar, e jurei a mim mesmo nunca mais voar.
Cumpri a promessa durante dez anos, até que a vida me ensinou que o verdadeiro medroso de avião não é o que se nega a voar, mas o que aprende a voar com medo. É uma espécie de fascinação. De todos os temerosos célebres que conheço, o único que não voa de jeito nenhum é o arquiteto Oscar Niemeyer. Já o seu compatriota Jorge Amado, que é um timorato aéreo dos grandes, teve a audácia poética de voar em um Concorde de Paris até Nova York, para ali pegar um navio até o Rio de Janeiro. O escritor venezuelano Miguel Otero Silva e o diretor de cinema brasileiro Ruy Guerra, por diferentes caminhos, chegaram à conclusão que a única maneira de combater o medo de avião é voando com medo, e o combatem quase todos os meses. Carlos Fuentes, que não voou durante quinze anos e fazia umas viagens épicas de oito dias, mudando de trens, do México até Nova York, não só voltou a voar como, na semana passada, foi fazer uma conferência na Universidade de Indiana em uma avioneta monomotor. Não há, porém, entre os grandes especialistas do medo de avião, nenhum melhor que dom Luis Buñuel, que aos 80 anos continua voando impávido, mas morto de medo. Para ele, o verdadeiro terror começa quando tudo está perfeito no vôo, e, de repente, aparece o comandante em mangas de camisa e recorre a aeronave em passos lentos, saudando cada um dos passageiros com um sorriso radiante.
Minha mãe não voou mais que duas vezes em sua longa vida. Nunca sentiu medo, mas conhece muito bem o de seus filhos –que são doze–, de modo que mantém sempre uma vela acesa no altar doméstico para proteger a qualquer um de nós que esteja no ar. Sua fé é tão grande, que faz pouco tempo a escavadeira de um de seus filhos –engenheiro civil– caiu numa vala. Minha mãe ouviu falar que o resgate podia custar mais de 100 mil pesos, e disse a meu irmão que não gastasse nem um centavo, pois ela ia acender uma vela para tirar a escavadeira do buraco. Meu irmão a repreendeu: “Só mesmo a senhora para achar que uma vela pode tirar uma escavadeira de uma vala”. Minha mãe, impassível, lhe respondeu:
–Como que não pode tirar, se consegue segurar um avião no ar!
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